O Espiritismo:
A Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas ou, se quiserem, os espiritistas.
... Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a série progressiva dos fenômenos que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas.
Este fenômeno que parece ter sido notado primeiramente na América, ou, melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova que ele remonta à mais antiguidade, se produziu rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva.
Em seguida propagou-se rapidamente pela Europa e pelas outras partes do mundo. A princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade.
... As primeiras manifestações inteligentes se produziram por meio de mesas que se levantavam e, com um dos pés, davam certo número de pancadas, respondendo desse modo – sim, ou – não, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita.
Até ai nada convincente havia para os cépticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra do acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxílio das letras do alfabeto: dando o móvel um número de pancadas correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam às questões propostas.
A precisão das respostas e a correlação que denotavam com as perguntas causaram espanto. O ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que era Espírito ou Gênio, declinou um nome e prestou diversas informações a seu respeito. Há aqui uma circunstância muito importante, que se deve assinalar.
É que ninguém imaginou os Espíritos como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a palavra.Tal meio de correspondência era, porém, demorado e incômodo. O Espírito (e isto constitui nova circunstância digna de nota) indicou outro.
Foi um desses seres invisíveis que aconselhou a adaptação de um lápis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cima de uma folha de papel, a cesta é posta em movimento pela mesma potência oculta que move as mesas; mas, em vez de simples movimento regular, o lápis traça por si mesmo caracteres formando palavras, frases, dissertações de muitas páginas sobre as mais altas questões de filosofia, de moral, de metafísica, de psicologia, etc., e, com tanta rapidez quanta se se escrevesse com a mão.
O conselho foi dado simultaneamente na América, na França e em diversos outros países.... A cesta ou a prancheta só podem ser postas em movimento debaixo da influência de certas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome de médiuns, isto é – meios ou intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições que dão esse poder resultam de causas ao mesmo tempo físicas e morais, ainda imperfeitamente conhecidas, porquanto há médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de desenvolvimento intelectual. É, todavia, uma faculdade que se desenvolve pelo exercício.Reconheceu-se mais tarde que a cesta e a prancheta não eram, realmente, mais do que um apêndice da mão; e o médium, tomando diretamente do lápis, se pôs a escrever por um impulso involuntário e quase febril.
Dessa maneira, as comunicações se tornaram mais rápidas, mais fáceis e mais completas. Hoje, é esse o meio geralmente empregado e com tanto mais razão quanto o número das pessoas dotadas dessa aptidão é muito considerável e cresce todos os dias.
Finalmente, a experiência deu a conhecer muitas outras variedades da faculdade mediadora, vindo-se a saber que as comunicações podiam igualmente ser transmitidas pela palavra, pela audição, pela visão, pelo tato, etc., e, até pela escrita direta dos Espíritos, isto é, sem o concurso da mão do médium, nem do lápis.
Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram.“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.Criou o Universo, que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.
Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo e, os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos.
O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.
O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido, sem que por isso de alterasse a essência do mundo espírita.
Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui a liberdade.
Entre as diferentes espécies de seres corpóreos, Deus escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as outras.
A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.
Há no homem três coisas: 1º, o corpo ou ser material análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2º, a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3º, o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito.
Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos.
O laço ou perispírito, que prende ao corpo o Espírito, é uma espécie de envoltório semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, porém que pode tornar-se acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede nos fenômenos das aparições.
O Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só possível de conceber-se pelo pensamento. É um ser real, circunscrito, que, em certo casos, se torna apreciável pela vista, pelo ouvido e pelo tato.
Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais, nem em poder, nem em inteligência, nem em saber, nem em moralidade.
Os da primeira ordem são os Espíritos superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeição, seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, pela natureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: são os anjos ou puros Espíritos.
Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria, eivados das nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc.
Comprazem-se no mal. Há também, entre os inferiores, os que não são nem muito bons nem muito maus, antes perturbadores e enredadores, do que perversos.
A malícia e as inconseqüências parecem ser o que neles predomina. São os Espíritos estúrdios ou levianos.
Os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus de hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral.
Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos, donde saíra, para passar por nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de Espírito errante.
Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações segue-se que todos nós temos tido muitas existências e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer na Terra, quer em outros mundos.
A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se que a alma ou Espírito possa encarnar no corpo de um animal.
As diferentes existências corpóreas do Espírito são sempre progressivas e nunca regressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à perfeição.
As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro.
A alma possuía sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de se haver separado do corpo.
Na sua volta ao mundo dos Espíritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na Terra, e todas as suas existências anteriores se lhe desenham na memória, com a lembrança de todo bem e de todo mal que fez.
O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos...
Os Espíritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo.
Os não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita; estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contínuo. É toda uma população invisível, a mover-se em torno de nós.
Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo físico. Atuam sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das potências da Natureza.
As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação. Os maus nos impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos sucumbir e assemelhar-nos a eles.
As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As ocultas se verificam pela influência boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia. As comunicações ostensivas se dão por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, quase sempre pelos médiuns que lhes servem de instrumentos.
Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocação.
... A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores ações.
... Ensinam também não haver faltas irremissíveis, que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conforme seus desejos e esforços na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu destino final.”
... A verdadeira Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento...
Allan Kardec (Introdução - O Livro dos Espíritos)